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Colunista

Marcelo Pardo

A verdade, somente a mais pura verdade, jamais a mentira!

“ALETHEIA, palavra grega que significa o não oculto, não escondido, não dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito; a verdade é a manifestação do que é ou existe tal como é. O verdadeiro é o evidente ou plenamente visível para razão”.

“O HOMEM É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS”, Protágoras, 570 a 495 antes de Cristo.

“FILOSOFIA E FILODOXIA”, Platão, 428/427 a 347/348 antes de Cristo.

“A VERDADE É A VERDADE DE SI”, Schopenhauer, 1788 a 1860 depois de Cristo.

“A REALIDADE É O PARA SI E O REAL É O EM SI”, Jean Paul Sartre, 1905 a 1980 depois de Cristo.

“A VERDADE É A VERDADE DO SUJEITO”, Jacques Lacan, 1901 a 1981 depois de Cristo.

A verdade, ou seja lá o que isto possa ser, tem sido um enorme desafio filosófico para as cabeças pensantes, no sentido crítico reflexivo. Nos últimos dois mil e quinhentos anos, desde a palavra e o conceito de ALETHEIA, que significava a verdade revelada para os antigos gregos antes de Cristo, até os dias atuais, a verdade tem sido um problema filosófico que mesmo entre as mentes mais capacitadas do mundo tende a se resumir àquilo que seja definido pelo ser humano.

Na frase de Protágoras, escola filosófica conhecida como ceticismo, “o homem é a medida de todas as coisas”, deixando claro que toda a verdade é aquilo que cabe na capacidade humana de ser definida. Por conseguinte, antes de cristo, na velha Grécia, já era sabido que a verdade não está fora do sujeito e da linguagem, ela não se encontra nas coisas e objetos, ela resulta daquilo que o humano nomeia.

Este ponto da problematização filosófica sobre a verdade é fundamental, pois separa a natureza ou qualquer ideia de natureza objetiva das coisas externas para reter a verdade em experiência subjetiva de cada humano. Seja uma complexa equação matemática ou a mera escolha de uma palavra simples do dia a dia humano, como a palavra casa, por exemplo, a coisa não fala para o humano, é o humano que fala sobre a coisa suposta. Sim, suposta, imaginária, convencionada e entrelaçada na herança cultural do discurso.

Nenhuma palavra ou conceito foge deste pacto social, coletivo e que antecede o indivíduo, mas cada uma das verdades humanas, mesmo com todas as estereotipias, rituais e pantomimas é percebida de forma singular, única por cada sujeito.

Protágoras nos ensina que toda e qualquer verdade se resume ao invencionismo humano. Platão, em sua extensa contribuição filosófica, tenta separar filosofia, amor, amizade, pelo saber da filosofia, a tão em moda opinião pessoal, sendo a primeira resultante de profundas e complexas reflexões e a última meras crendices populares, padrões de repetição vulgar, pueril, superficial, cotidiano e geralmente preconceituoso, no sentido de pré-conceber algo que não faz a menor ideia do que seja, ou possua apenas uma percepção popular sobre.

Enquanto Protágoras nos deixa claro que a verdade é um dizer do humano sobre todas as coisas e não nenhuma coisa em si, Platão vai nos delimitar o campo perceptivo humano como a tradução da verdade, porém a verdade platônica é encontrar no logos, origem de todas as definições para o entendimento de verdade. Assim, é muito comum confundirmos a ideia de verdade com a de conceito ou definição, quando essa compreensão de verdade pende mais para àquilo que se desvela, que se revela diante do humano.

O estoico filósofo alemão Schopenhauer, século XIX, vai nos falar da “verdade de si”, aquela que se apresenta no DIZER FAZER do dia a dia de todas as pessoas, o que não deve ser confundido com opinião. A verdade de si estaria em nós e em todos que nos cercam, inclusive no que nos parece contraditório, pois que a minha verdade não necessariamente seja a verdade do outro, percebamos que aqui se abre espaço para um retorno a Protágoras e sua ideia de que o homem seria a medida de todas as coisas. A verdade que se confunde com a própria estruturação do humano.

Essa compreensão de que cada humano resume a verdade de um grupo social, mesmo esta já não sendo aquilo que a origina, pois que interpretado pelo humano já se transforma em algo particular de cada um, a dialética será herdeira dessa corrente de pensamento.

Se pegarmos em analogia as realidades como tradução das verdades, tomando Sartre como referência, veremos que a verdade da realidade é a pura percepção da representação do Real, sim representação, pois que o Real não é a coisa em si, pois que a coisa em si nada é, sendo senão outra coisa pura representação subjetiva do objeto em si.

O desafiador aqui é assimilarmos que a verdade existe, porém ela é tão sólida quanto um castelo de ar. Seria a verdade então uma ou um conjunto de mentiras que se amontoam nas tradições e discursos humanos?

Não necessariamente, já que a mentira manipula a realidade por conveniência de grupos ou sujeitos. A mentira é pura intenção, propósito de manipulação, distorção grosseira e moral das realidades, enquanto a verdade é pura convicção, crença e abnegação. A verdade se fragiliza e se dissolve quando nela deixamos de crer.

Lacan, psicanalista francês, século XX, reforça a verdade como verdade do Sujeito, por conseguinte, a verdade seria apropriação por parte do sujeito daquilo que o Outro lhe pareça ser, exatamente isto, pareça ser, já que as realidades serão representações mentais que cada sujeito fará, seja qual for a representação, ela carregará consigo o próprio sujeito. É claro que o Sujeito apresentado por Lacan é o Sujeito desejante e, como tal, fundado em uma falta originária que exige constantes releituras e novas apropriações de verdades, sendo as realidades continuamente trocadas por novas representações do Real, não havendo espaço para fixações na coisa ou objeto. Rígida só a estrutura do Sujeito desejante, expressa no sintoma e fundamentalmente no inconsciente, não no discurso do dito.

Para Lacan, o Sujeito desejante, que desliza ao longo da vida seus sentidos existenciais nos mais variados discursos, precisa ser percebido como Sujeito atravessado pelo discurso, não se resumindo a um único discurso, deslizando por vários enquanto estiver vivo, assim se dando com a verdade.

Como podemos ver, a verdade e a mentira parecem ser mais próximas do que muitos imaginam, sendo a verdade a representação imaginária que o humano elabora a partir da interpretação e apropriação dos discursos e fazeres da cultura em que o Sujeito está inserido e a mentira a manipulação e distorção consciente destas supostas verdades, visando proveito próprio e ou de grupos. Sim as fake news/mentiras sempre estiveram conosco, seja na forma de distorção propositada, quer como imprecisão que as realidades são em relação ao real, algo percebível mesmo em nossos escritos mais respeitáveis.

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