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Colunista

Marcelo Pardo

A alienação como forma de proteção

O QUE VOCÊ FARIA SE A EMPRESA ONDE VOCÊ TRABALHA FECHASSE AS PORTAS E FOSSE PARA OUTRO ESTADO, SENDO ESTA A ÚNICA EMPRESA EXISTENTE NO SEU ESTADO CAPAZ DE LHE PAGAR SALÁRIO, COMO VOCÊ SUSTENTARIA SUA FAMÍLIA?

Jean Paul Sartre, filósofo existencialista francês, nos ensina que “toda desalienação nos remete a uma nova e imediata alienação”, mas o que quer dizer isto em bom português popular? Isto quer dizer que o homem, quando deixa de crer em algo, passa a crer imediatamente em um algo novo, diferente, derivativo ou mesmo opositor ao pensamento anterior. Tal fenômeno resulta do fato de o ser humano ser fundamentalmente fruto da linguagem e não da natureza, pois que nossa natureza é animal e nossa humanidade é condição socio-histórica, nem nosso nome, algo que nos parece tão nosso, nascemos com ele.

Mas o que isto tem a ver com o nosso exemplo de trabalhador, que tira seu sustento da única empresa da cidade em que mora e, que se vê sem salário após a empresa fechar e ir para outro estado? Tudo, exatamente tudo a ver com o povo amazonense.

Na sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022, sexta-feira de carnaval, o Presidente da República, Jair Bolsonaro assinou o decreto presidencial que reduz em 25% o Imposto de Produtos Industrializados em todo Brasil. Este decreto fere de morte a Zona Franca de Manaus em suas vantagens comparativas? Mas em quê isto muda o nosso feijão em nossas casas? Tudo, absolutamente tudo. Imaginemos que o Amazonas produzisse 100 reais por ano em sua economia total, destes 100 reais, 99 reais saíssem direta e indiretamente da Zona Franca de Manaus, o que quer dizer que sem a Zona Franca o Amazonas cairia de 100 reais por ano para apenas 1 real, um mísero real para todo o Estado e sua população. Você imagina o tamanho da catástrofe que este decreto presidencial poderá causar aos amazonense? As federações das indústrias e do comércio estão fazendo seus estudos contábeis para ver o tamanho da tragédia.

 

Sem a Zona Franca, a miséria não seria o nosso único problema, ela se somaria com a absoluta falta de trabalho, os cerca de 120 mil empregos gerados nas indústrias da Zona Franca de Manaus, o segundo maior parque industrial do Brasil com cerca de 500 fábricas e que gera no mínimo mais dois empregos no comércio e nos serviços, um total de cerca de 360 mil postos de trabalho, que com o fechamento das fábricas do parque industrial deixariam de existir. Isto é em linhas gerais o tamanho do problema.

 

Você pode estar se perguntando, mas um simples decreto presidencial reduzindo em 25% os impostos sobre produtos industrializados em todo país poria em risco a Zona Franca? Caso seja posto em prática e as vantagens comparativas fiquem comprometidas, a resposta é sim. Ninguém fabrica celulares, motos, computadores, aparelhos de TV, aparelhos de ar condicionado etc, onde não exista lucro. A Zona Franca de Manaus é o mais eficiente projeto de industrialização provocado pelo poder do Estado brasileiro, resultante de vantagens tributárias. Em 1967, durante a ditadura militar, o decreto 288 de 28 de fevereiro daquele ano, revogou o decreto anterior de 1957 e cria o que hoje conhecemos como Zona Franca de Manaus. De forma resumida, as hoje cerca de 500 fábricas instaladas em Manaus, responsáveis por aproximadamente 99% de toda economia do Amazonas, só estão aqui porque em Manaus pagam menos impostos do que se estivessem instaladas em outras regiões do Brasil, como São Paulo, Belo Horizonte ou Rio de Janeiro. A redução ou simples isenção de impostos permite que o preço final dos produtos fabricados em Manaus os tornem competitivos, assim como a retirada das vantagens fiscais inviabilizam a fabricação em Manaus, são estes incentivos fiscais que possibilitam que no meio da floresta Amazônica tenhamos construído uma metrópole de 2 milhões e 200 mil habitantes com esse imenso parque fabril. A perda das vantagens tributarias, reflitamos, levará à perda da capacidade de produzirmos produtos industrializados mais baratos que em outras partes do Brasil, o que levará ao desmonte das fábricas e com elas os empregos e o dinheiro que elas geram, cerca de 150 bilhões de reais, em 2021. Se o decreto do presidente Bolsonaro não for derrubado e a Zona Franca perder sua competitividade, à população amazonense restará a mais absoluta miséria.

 

Enquanto isto, nós amazonenses em imensa maioria sequer sabemos o que seja a Zona Franca de Manaus, sequer sabemos sobre o decreto do presidente Bolsonaro e suas catastróficas consequências, algo que tem perturbado profundamente poucas mentes da população. Muitos estão com as cabeças voltadas para a guerra entre Rússia e Ucrânia, mal sabem que poderemos sofrer mais perdas que os ucranianos em nossa atividade econômica. Muitos de nós amazonenses estamos com nossas mentes voltadas para festas carnavalescas ou não, jogos de computador via internet, filmes e seriados, rituais místicos, além de drogas lícitas e ilícitas, completamente alheios aos imensos riscos econômicos e saciais que podem recair sobre todos nós. O que demonstra algo comum em todos nós, ou na imensa maioria de nosso povo, a mais absoluta fuga desse aspecto da realidade, a mais profunda alienação em distrações. Mas a realidade irá se impor a todos sem exceção.

 

Que nossas lideranças políticas e econômicas consigam reverter o grande mal que se apresenta aos amazonenses. Sim, podemos reverter isso. Graças ao então deputado federal Bernardo Cabral, relator da Constituição de 1988, a Zona Franca de Manaus é protegida pelo texto constitucional, podendo o Supremo Tribunal Federal derrubar o Decreto do presidente Bolsonaro e afastar os riscos da perda dos empregos e da economia da população amazonense. Com a palavra o STF.